segunda-feira, 14 de março de 2011

O que vou dizer aos meus filhos sobre carros



Compartilho abaixo um artigo muito interessante do jornalista Sebastião Natalio. Ele faz uma crônica sobre o comportamento irresponsável e desrespeitoso de algumas pessoas . Este texto nos faz refletir sobre a educação que devemos dar a nossos filhos para que aprendam a viver em sociedade.


O que vou dizer aos meus filhos sobre carros

Num sábado à noite, quando voltávamos de um passeio, dois carros passavam em uma das vias mais movimentadas da cidade, levando alguns jovens. Quatro deles sentados nos bancos de passageiros, com metade do corpo para fora, gritavam, provocavam os pedestres e cantavam, acompanhando pelo rádio aquelas músicas terríveis que somos obrigados a ouvir em volume desagradável. Os automóveis, em baixa velocidade, atrapalhavam quem queria passar e violavam a lei do silêncio depois das dez horas da noite. Até onde se tem notícia, nenhuma autoridade puniu aqueles moleques arruaceiros que cometiam várias infrações, entre elas o uso de bebidas ao volante. Você pode me dizer, “se isso te incomoda, escolha outra rua menos barulhenta para andar”. Esta lógica ridícula se compara àquela para quem teve a casa arrombada porque não contava com nenhum sistema de segurança. É mais ou menos como pensar que se eu estiver certo, agindo dentro da lei, vou estar errado. Certo?
Diante do ato daqueles bisonhos, parei para pensar o que dizer aos meus filhos sobre carros. Antes de qualquer coisa, vou explicar que não se compra carro só por status, mesmo porque o mundo já está cheio deles, e que não é feio, se quiserem, andar de bicicleta, a pé, ou usar o transporte coletivo (desde que ele seja adequado, o que na maioria dos casos é difícil).
Vou alertá-los também, que carro não deixe ninguém mais bonito, mais charmoso, sexy ou potente, como propagandeiam os fabricantes. Se essas coisas não fazem parte das nossas características de atração natural, não é um automóvel que vai nos proporcionar. É só um monte de latas ou fibras, que quando bate vira lixo. Se a namorada, ou o namorado, não curtem quem anda a pé, já é meio caminho para deixá-los, bem no meio do caminho. Cadê o charme de caminhar pelas ruas da cidade? Você vai me corrigir e dizer que isso é impossível por causa da falta de segurança.  Eu não tenho uma base estatística, mas são muitos os carros roubados diariamente no país, com ou sem pessoas dentro, e muitas vezes com uma arma encostada nos miolos.  Estar dentro de um veículo não me dá nenhuma segurança.
Quero crer que são muitas as mulheres e homens deste mundo que não são “marias-gasolinas”. Namorar no banco do carro é muito bom, desde que o interesse não seja só pelo carro.  Quem nunca deu uns amassos dentro do velho Fusca ou na mais nova BMW, não sabe exatamente o que está perdendo!
Quanto ao som alto, ninguém é obrigado a ouvir as mesmas coisas que ouvimos. O teu “batidão” pode ser de mau gosto para quem gosta de música clássica ou bossa nova, o “sertanejo universitário” pode não agradar quem gosta de rock’n’roll e vice-versa. Tem dias que dependendo do grau da nossa felicidade dá mesmo uma vontade de erguer o som do carro e sair curtindo por aí. E pode ser até saudável, desde que dentro dos limites. Mas se esta é uma prática diária, como forma de chamar a atenção, me parece um problema de insanidade mental (e de saúde pública). Ninguém é feliz todo dia. A felicidade exagerada é uma farsa, é só um jeito solene que inventamos de ocultar nossos piores cadáveres.
Dias atrás, em um ponto turístico da cidade, várias pessoas disputavam quem tinha o melhor som no carro. Era uma barulheira doentia e sem sentido, e de uma falta de consciência ecológica muito grande. Pensei no stress da bicharada no meio do mato com aquela invasão de “descendo até o chão” e de “beijo, me liga”, que foram forçados a ouvir.
Automóveis são ótimos, trazem comodidade e deveriam facilitar nossas vidas cada vez mais sem tempo, são bons para as horas de urgência, mas, também, deixam o trânsito das cidades cada dia mais absurdo. Piorar isso com o desrespeito às regras da boa convivência, nos torna uns tremendos idiotas. Como idiotas são aqueles que tiram vidas de outros, ou as suas próprias, por causa dos excessos cometidos, a fatal mistura de álcool, direção e velocidade.
É isso que vou dizer aos meus filhos!
P.S.: Aliás, eles não deixam o carro sair do lugar se não estivermos todos de cinto de segurança. É o melhor começo!

Sebastião Natalio - jornalista e artista plástico

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